segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Indecoroso e divertido, proibido e gostoso

Quando surgiu, sempre relacionado a outros estilos e danças, como maxixe e lundu, o choro era coisa feia, indecorosa, de gente amoral. Ruy Barbosa chegou a dizer que a dança do corta-jaca era “a mais baixa, mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens”. Mas o estilo já ganhava o gosto do povo, que vencia preconceitos. O cronista carioca Luiz Edmundo escreveu:

"Muitas vezes, na casa brasileira, às escondidas do papai conservador e tradicionalista, as nossas sinhazinhas e sinhás não só cantam o que a canalha pela rua canta, como dançam também, umas com as outras, divertidas e alegres, os passos do corta-jaca que aprendem pelos teatros que frequentam. É o fruto proibido saboreado à socapa, num despertar gostoso dos instintos da raça.

Há um século, tomava forma gênero musical genuinamente nosso. Um Callado aqui, uma Chiquinha Gonzaga ali, mais dois gênios como Nazareth e Pixinguinha, e eis o choro, encantador de “cobras” mundo afora.

Fim do século 19. Os ritmos populares mais comuns são a valsa, a polca, o lundu, o maxixe. Aos poucos, instrumentistas se dedicam a nova maneira de tocar, lamurienta e plangente, ainda sem nome. Alguns chamam de tango brasileiro. Outros, de corta-jaca, devido aos gestos característicos da dança adequada ao ritmo. O nome com que o estilo viria finalmente a ser conhecido, em fins dos anos 1910, seria choro.

Um dos primeiros músicos a fixar as raízes do que se tornaria o mais brasileiro dos ritmos foi Joaquim Callado, nas décadas de 1860 e 1870. Flautista, compositor e professor, Callado teve o mérito de ser o primeiro a misturar a então popular música europeia com ritmo e sensibilidade afros.


A revolução de Chiquinha
Surpreendente. A mais importante figura dos primórdios do choro foi uma mulher: a genial maestrina Chiquinha Gonzaga. Nascida em 1847, desde jovem mostrava habilidades ao piano. Mas o primeiro marido, com quem casou aos 13 anos, proibiu-a de tocar. Aos 18, corta o relacionamento e leva os filhos. Começa inspiradora história de independência numa época bem mais machista.

Chiquinha se torna pianista em bares noturnos e passa a compor para o teatro de revista. Pioneira e revolucionária, cria peças essenciais, como o “tango” Gaúcho, conhecido como Corta-Jaca; composto em 1895, foi gravado apenas em 1904.


O erudito que abriu caminho para os chorões
O pianista de formação erudita Ernesto Nazareth tem lugar de destaque na galeria das personalidades fundamentais para o desenvolvimento do choro. Também por volta das décadas de 1870 e 1880, Ernesto começa a escrever, mas resiste a todo tipo de classificações populares.

Morreu em 1934 aos 70 anos. Deixou peças obrigatórias para qualquer músico de choro até os dias de hoje, como Brejeiro, Apanhei-te Cavaquinho, Odeon. Já nos primeiros anos do século 20, algumas de suas composições foram registradas em disco por conjuntos como a Banda do Corpo de Bombeiros e o Grupo Passos no Choro. O caminho para os futuros chorões estava pronto.


Alta definição
A partir do fim da década de 1940, nova revolução toma forma no universo chorão. Um carioca exigente e virtuose, compositor e pesquisador, tradicionalista e inovador, surge com um trabalho que muda os rumos do estilo e radicaliza a importância do bandolim: Jacob Bittencourt, o Jacob do Bandolim. Com habilidade e sonoridade cristalina, eleva o choro à mais alta categoria artística.

Era autor privilegiado, com dezenas de composições clássicas, tais como Vibrações, Doce de Coco, A Ginga do Mané, Noites Cariocas, Assanhado. Em 1966, capitaneia outro capítulo importante: forma o conjunto Época de Ouro, com alguns dos mais expressivos instrumentistas brasileiros, como Dino 7 Cordas e César Faria. Até a morte de Jacob, em 1969, o conjunto produziu discos e shows históricos. Com nova formação, até hoje continua em atividade.


Tico-tico no farelo?
“Até parece tico-tico no farelo”, exclamou Zequinha de Abreu durante um baile em 1917. Referia-se à animação com que os casais pulavam ao som daquele “choro sapeca”, ainda sem nome, que havia acabado de compor. Decidiu ali mesmo pelo título, mas descobriu que já existia outra canção com esse nome. Ficou Tico-Tico no Fubá.


This tico-tico, he’s the cuckoo
A letra é um capítulo à parte. A primeira, escrita em 1931 por Eurico Barreiros, começava: Um tico-tico só / O tico-tico lá / Está comendo todo, todo, meu fubá. Ficou inédita até 1942, quando Ademilde Fonseca foi gravar o disco de estreia e se lembrou dela. Pouco antes, em 1939, Aloysio de Oliveira já havia escrito outra versão, para Carmen Miranda: O tico-tico tá / Tá outra vez aqui / O tico-tico tá comendo o meu fubá. Em 1943 o americano Ervin Drake escreveu ainda outra letra, que fez sucesso com a orquestra de Xavier Cugat: Oh, tico-tico, tick / Oh, tico-tico, tock / This tico-tico, he’s the cuckoo in my clock [Este tico-tico, ele é o cuco no meu relógio].


Pixinguinha arranja o formato definitivo
Compositor, arranjador, flautista, saxofonista, líder da inovadora banda Os Oito Batutas. Pixinguinha é o mais importante estilista da nossa música popular. Praticamente sozinho, pegou tudo que todos haviam criado e deu o formato definitivo, principalmente do choro.

Aos 22 anos, em 1911, fazia as primeiras gravações e apresentações no carnaval de rua carioca. Nos seis anos seguintes, registra as primeiras composições, cria o primeiro conjunto e grava a imortal valsa Rosa.

Em 1919 reúne Os Oito Batutas para se apresentar na sala de espera de um cinema. Faz sucesso maior do que os filmes. Tanto que, no ano seguinte, se apresentam em almoço oferecido para o rei da Bélgica. Dois anos depois, embarcam para Paris. Na volta, influenciados pelo novato jazz, incorporam instrumentos como saxofone, clarinete e trombone; e ritmos como o foxtrote e o ragtime.

Pixinguinha torna-se o maior e mais requisitado arranjador de sua época. Deixa composições inesquecíveis, como 1×0, Lamentos, Sofres Porque Queres e, é claro, Carinhoso.


Um clássico 20 anos escondido
Quando Pixinguinha escreveu Carinhoso, em 1917, tinha certeza de que muita gente desaprovaria. Choro tinha de ter três partes, Carinhoso tinha duas. Manteve a composição escondida até 1928, quando tomou coragem e gravou com a Orquestra Típica Donga-Pixinguinha. A canção não fez alarde.

Em 1937, 20 anos depois de composta, ganhou singela letra de João de Barro; o Cantor das Multidões, Orlando Silva, gravou. Nascia um clássico. Já foi gravado mais de 200 vezes.


Por acaso, duas jóias surgem do cavaquinho
O sobrinho do cavaquinista carioca Waldir Azevedo tinha dez anos. Pediu que o tio lhe fizesse uma música num cavaquinho que estava com apenas uma corda. Nasceu o antológico Brasileirinho, de 1947, um dos mais famosos de todos os tempos.

Novamente por acaso, em 1951, Waldir lançou o segundo maior sucesso, Delicado. Estava no estúdio para gravar e precisava de algo para o outro lado do disco. Lembrou-se da composição despretensiosa. Foi recordista de vendas. No ano seguinte, 1952, o líder de orquestra canadense Percy Faith, famoso até a década de 1980, regravou. Sucesso mundial.


Mestre dos mestres
Ao longo dos anos 1920, época em que escreveu as famosas Bachianas Brasileiras, Heitor Villa-Lobos compôs a série Choros, com 12 obras para diversas formações. Elevou o choro à categoria de música de concerto e câmara. Um dos mais belos é o de número 10, para coro e orquestra. Tem subtítulo de Rasga o Coração, homenagem aos autores da canção com aquele nome, os chorões Anacleto de Medeiros (melodia) e Catulo da Paixão Cearense (letra).


Raphael Rabello
Talento precoce. De família de músicos, Raphael Rabello começou a tocar violão aos sete anos. Aos 12 passa a ter aulas. Aos 14 forma conjunto, Os Carioquinhas. Dedica-se ao choro, mas também ao samba e à música erudita.

Compositor, intérprete, virtuose, gravou 16 discos e foi um dos mais originais instrumentistas entre 1980 e 1990. Morreu em 1995, aos 32 anos. Foi responsável pela manutenção e evolução do choro em sua época.


Tradicional, moderno, imortal
Formado por cinco instrumentistas na faixa dos 20 aos 30 e poucos anos, o Tira Poeira, conjunto carioca freqüentador da Lapa, propõe-se reinventar tudo. Toca Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo, Pixinguinha, conhece a fórmula e sabe a medida exata entre tradição e modernidade.

Sem medo de assimilar influências, como jazz e até rock, simboliza o presente e o futuro. Eles ouvem o estilo com respeito, mas com a sede que os faz transformar o gênero centenário em novidade. Ao lado de outros grupos e instrumentistas como Hamilton de Holanda e Nó em Pingo d’Água, mostram que há fôlego para mais cem anos, e séculos afora.


Carreira internacional e cinematográfica
O diretor finlandês Mika Kaurismäki conheceu o produtor suíço Marcos Forster e descobriu que os dois têm uma paixão em comum pela música brasileira. Surgia ideia para Brasileirinho, documentário filmado em 2004 em cenários do Rio e finalizado neste ano. Mostra músicos como Trio Madeira Brasil, Yamandú Costa, Joel Nascimento, Guinga, Paulo Moura, Maurício Carrilho e muitos outros. Panorama do atual momento do choro, foi exibido no Festival de Berlim e vendido para vários lugares do mundo. No Brasil, ainda não se sabe quando chega.


Você sabia?
Chega de Saudade, música que deflagrou a bossa nova em fins dos anos 1950, foi originalmente escrita por Tom Jobim como chorinho.
Vinicius de Moraes, no começo dos anos 1960, põe letra em composição clássica de Pixinguinha, Lamentos, que vira Lamento.
Em seu segundo disco, de 1967, Chico Buarque compõe e grava Um Chorinho.
Filho de integrante do Época de Ouro, Paulinho da Viola traz novidades ao choro em composições como Coração Imprudente e Choro Negro; além de lançar o elepê Memórias Chorando.

Os grupos Novos Baianos e A Cor do Som assimilam o choro à sua mistura de MPB com rock.
Em 1977 a TV Bandeirantes organiza o Festival Nacional do Choro. Mais de mil composições são inscritas.

 







Fonte: Informações Escrito por Ronaldo Evangelista www.almanaquebrasil.com.br/

 
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